Depois da Crónica do Emigrante e da Crónica do Retornado, eis a Crónica do Viajante Parte IV

Olá de novo caros compinchas,



Passaram alguns dias desde a última crónica do viajante, e reconheço que já estava com saudades de debitar mais uns quantos kilo de postas de pescada, hehe!!

Da última vez que nos encontrámos, estava eu em Petrolina (interior do estado do Ceará) prestes a seguir caminho para Salvador. Petrolina foi deveras uma cidade muita agradável e com potencial para ser mais explorada, mas que terá de ficar para uma próxima oportunidade.

Como disse, o destino era mesmo Salvador onde me iria encontrar com o meu irmão para depois seguirmos para o "gran final", o Parque Nacional da Chapada Diamantina.

Salvador pareceu-me também uma cidade agradável embora com muita (demasiada?) influência ocidental. As zonas ricas e pobres distam umas das outras não mais de 10 metro (!!), e acho impressionante como é possível consegue manter um equilíbrio social relativamente estável (apesar da falta de segurança sobretudo nas horas da noite) em ambientes tão diversos e próximos como os que vi em Salvador, ou mesmo nas outras cidades que visitei.

Fazendo uma análise global a todas as cidades por onde passei (Fortaleza, Acopiara, Crato, Juazeiro do Norte, Santana do Cariri, Petrolina, Salvador e Lençóis), penso que a primeira foi a mais hostil de todas (e também a mais suja e menos "bonita"); no outro lado, está sem dúvida a cidade Lençóis que devido à proximidade com a Chapada e amistosidade dos locais me cativou entre as demais.

Ainda pegando no assunto Salvador, reconheço que pela altura que cheguei a esta cidade tinha já quase 3 semanas a deambular pelo nordeste do país, e como tal, um nível de habituação às gentes e costumes bastante mais aprofundado. Talvez por isso não tenha considerado esta cidade tão perigosa como Fortaleza...

Uma questão que me surgiu nestes últimos tempos e sobre a qual tenho reflectido, tem a ver com a acção política no Brasil, e consequentemente, em Portugal (como podem compreender, a analogia acaba sempre por ser inevitável!).

Em jeito de resposta a algumas críticas que me têm sido apontadas recentemente sobre ter uma atitude muito crítica em relação ao nosso país, vou aproveitar esta reflexão para provar que na verdade sou crítico de problemas, e não de pessoas, países ou outros.

Na última crónica, argumentei sobre a falta de eficiência do serviço público no nosso país bem como sobre as implicações morais relativamente ao resto da sociedade. Aqui devo reargumentar que não retiro nada ao que escrevi, embora reconheça que as palavras poderão de certa forma ter sido demasiado corrosivas para algumas pessoas; como tal, peço em especial aos que não gostaram do texto para simplesmente o ignorar, ainda mais porque não sou uma autoridade moral no assunto!!

Passando à frente, queria tocar no assunto política (xasus, o que é que vem aí, estarão já alguns a pensar?!). O Brasil está neste momento em situação de pré-campanha eleitoral para as eleições gerais que irão decorrer em Outubro de 2010.

Como podem imaginar, é ridícula a quantidade e diversidade de propaganda política que se encontra em toda o lado (vejam a 1ª foto!). Os discursos (já assisti a 2 em praças públicas de Santana do Cariri e Petrolina) fazem-me lembrar os do nosso boro; o dinheiro gasto em painéis publicitários, desdobráveis, autocolantes, etc, etc, deixam-me a pensar de onde veio e como se vai pagar; a imundice deixada nas ruas com as caras de gente tão bonita (impressionante que os políticos são todos feios, onde quer que se vá!!) e que vai ficar para a posteridade, a não ser que alguns miúdos as apanhem (em troca de uns miseros trocados) para serem distribuídas novamente pelos transeuntes.

Reconheço que as pessoas aqui são muito apaixonadas pela política e pelos líderes com que mais se identificam, o que torna toda a campanha mais emotiva, mediática e renhida em comparação com o nosso país. Mas não deixo de me perguntar como, num país tão marcado pela corrupção e falta de seriedade política, as pessoas continuam a correr quase "cegamente" atrás de um grupo de indivíduos aparentemente bem-vestidos e bem-falantes que prometem o imprometível e argumentam o inargumentável...

Voltando ao primeiro argumento (semelhanças dos argumentos políticos nos 2 países, ou seja, "sempre a mesma conversa"), fico a pensar se todos estes políticos frequentaram a mesma escola (??!!), ou se por outra lado se tratam apenas de vicissitudes inerentes à área profissional?!

Na verdade, e para ir directo ao assunto, tenho pensado muito ultimamente no facto da classe política ser a única no nosso país (e pelo que percebi, aqui no Brasil também!) que não requer habilitações académicas para o desempenho das funções inerentes. Actualmente, em qualquer actividade profissional é exigido ao indivíduo licenciatura, mestrado, doutoramento, pós-doutoramento (etc), mas curiosamente na área profissional onde verdadeiramente se joga o futuro do país - área política - não há qualquer tipo de "filtro" para seleccionar os mais aptos dos menos aptos.

Assim sendo, como é que vamos saber se estamos realmente a ser defendidos pelos melhores dos melhores, ou apenas por uns quantos que por não conseguirem empregos bem remunerados em qualquer outro lugar, se agarram com unhas e dentes à angariação de votos para garantirem a sustentabilidade dos seus cargos?

Quando penso no assunto, fico realmente incomodado por perceber que não há qualquer tipo de recrutamento e selecção organizados nos partidos políticos, e consequentemente nos cargos políticos mais altos e influentes da sociedade!

Convido-vos também a pensar neste assunto! Vale pelo menos uma breve reflexão...

Bom, continuando com a narração da viagem fiquei apenas 3 dias em Salvador e logo rumei para o que iria ser um dos sítios mais fantásticos que já vi.

A viagem durou 6h entre Salvador e Lençóis; saí com o meu irmão às 23h e chegámos às 5h. À chegada, fomos recebidos por uma série de indivíduos que no meio da confusão tentavam "pescar" o máximo de turistas para as respectivas pousadas e empresas de ecoturismo e turismo de aventura (de repente veio-me à cabeça o famoso "ah migo, queres chambres?").

Acabámos por ser "levados" pelo Arnaldo que nos sugeriu uma pousada bem em conta e ainda a 1ª caminhada de 2 dias que iria sair às 8h da manhã.

Esta 1ª caminhada não foi muita dura (deu para parar algumas horas nos sítios mais bonitos para dar um mergulho e descansar as canetas), e deu para passar por uns sítios mágicos: Caxoeira (cascata) do Capivari, Caxoeira (cascata) do Poção, Ribeirão do Meio, entre outros. Vejam as fotos e julguem vocês mesmo!

Já a última caminhada não foi tão simples (70km em 2 dias), mas valeu pelo Vale do Morrão, Vale do Capão e Caxoeira da Fumaça. Mas digo-vos que quando andamos deslumbramos com tudo à nossa volta, nem sequer nos lembramos que estamos cansados ou que doem os pés!!

Pelo meio deu ainda para dormir em grutas e tocas, malhar umas caipirinhas e apreciar noites de lua cheia sem luz artificial em redor, mandar uns mergulhos, levar umas ferroadas da bicharada e obrar em plena comunhão com a natureza (sem recurso a papel higiénico artificial, está claro!!).

Deu para ficar na Chapada quase uma semana, e digo-vos que ficaria de bom grado mais uma pois o potencial deste Parque é impressionante (6 dias de caminhada não deram nem para ver 10% da Chapada!).

Um sítio a visitar, sem dúvida.

Bom meus amigos, hoje fico por aqui.

Foi um gosto voltar às teclas após uns dias no meio do "mato", mas amanhã tenho de acordar cedo para ir resolver a situação de ter ficado retido no aeroporto de Fortaleza durante 5 dias (!!) por causa do passaporte ter caducado durante a minha estadia neste país!!

Sim, eu sei...

Não precisam de dizer nada!! :)

Até breve,


Grande abraço


Depois da Crónica do Emigrante e da Crónica do Retornado, eis a Crónica do Viajante Parte III

Olá de novo ilustres amigos, leitores, críticos e outros,


Estou de volta, com mais uma crónica para vosso gáudio e satisfação.

Escrevo-vos de Petrolina, no estado de Pernambuco depois de uma noite de autocarro e um dia de caminhada pela cidade.

Os dias que passei no Crato já lá vão (6 dias), mas há coisas que me ficaram a ecoar na cabeça.

Como vos disse, o Crato é uma cidade situada no interior do estado do Ceará (nordeste brasileiro) e que tem como vizinha a cidade de Juazeiro do Norte, ambas as cidades rodeadas pela Chapada do Araripe.

Relativamente ao Crato, é uma cidade de estudantes com vários polos universitários, pouco visitada por estrangeiros e com economia baseada no sector primário e terciário. Éuma terra bastante segura, onde se pode andar à noite sem grandes preocupações, e com alguns locais de interesse nas redondezas sobretudo relacionados com a Chapada; a saber: Museu de Paleontologia do Crato, Museu de Paleontologia de Santana do Cariri, Pontal de Santana do Cariri, vila de Arajara, vila de Caldas. vila de Nova Olinda (estas últimas 3 devido à proximidade com a Chapada e possibilidade de seguir vários trilhos), ou ainda o Parque de Arajara (complexo turísticos de piscinas e escorregas mesmo junto à serra).

Já Juazeiro do Norte é a vizinha grande, sendo sobretudo conhecida pelo Padre Cícero e pelas romarias ao santuário situado na serra do Horto. Aqui é evidente a importância do sector terciário, sobretudo na área das confecções e vestuário.

Voltando ao Crato, conheci na 2{ noite que lá estive um músico chamado Ronaldo (excelente músico de ritmos e músicas brasileiras) e acabei inevitavelmente a tocar com ele. A coisa correu bem, e o dono do restaurante acabou por me convidar para voltar a aparecer 2 dias depois para tocar com outro músico "tão bom" como o Ronaldo. A coisa prometia...

Mas esta história de tocar aqui no Brasil, acabou por se revelar como uma opção desastrosa no que toca a garantir copos, janta e cacau em troca. Ou seja, muita música, mas pouco retorno "palpável"!

Claro que não me chateio nada coma situação, mas como em Portugal é normal incluir o jantar e os copos no pagamento aos músicos, a coisa por aqui soube a pouco. Ao que consegui perceber, consta que os músicos brasileiros bebem muito, e para evitar prejuízo para a casa e bubadeiras monstras por parte dos artistas, todos as bebidas consumidas são pagas...ora bolas!

Restou a consolação de tocar músicas bem diferentes do que estou habituado (chamemos-lhe intercacção cultural) e de fazer novas amizades com malta muito porreira.

Quanto ao diaseguinte, rumei em direcção à serra na tentativa de descobrir percursos pedestres. A coisa não correu bem (o parque que eu pensava ser a entrada para a Chapada, era na verdade o tal parque de diversões aquáticas) e acabei por voltar para trás sem a maravilhosa caminhada que tinha planeado.

Como bom português, o orgulho foi mais forte e como tal resolvi...caminhar os 12 km de volta pra casa! Pelo menos seguia o trilho de alcatrão, hehehe. No caminho de volta estava eu a tirar uma fotografia a um lagarto, quando uns agricultores locais meteram conversa comigo.

Como é óbvio, a coisa acabou em torno de umas cervejas na barraca mais próxima. Os indivíduos rondavam os 60 anos de idade, e foram as pessoas mais humildes e afáveis que por aqui encontrei.

Contaram-me que a vida por ali é dura (vida de "roça"), que começa bem cedo (4h da manhã) e que não conhece férias ou dias de descanso; mas nem por isso vi neles algum sinal de cansaço ou de stress com a vida!

Aliás, eles usaram sempre durante toda a conversa o termo "é bom djemais!" para basicamente todos os argumentos (ao que me parece, esta é uma expressão muito utilizada por estas bandas).

E assim é a nossa vida; em Portugal assistimos a greves sem fim, contra tanta hora de trabalho, salários baixos, etc, etc, etc, bla, bla, bla...

Que pena tenho não poder trazer comigo muita gente que conheço a esta aldeia para ouvirem estas pessoas (e verem os seus calos nas mãos!), sobretudo os tradicionais "funcionários públicos"; seria bom ganharem um termo de comparação deste género para perceberem que alguém no país tem de gerar riqueza e garantir produtividade para que o chamado "investimento público" possa acontecer.

Depois de ouvir falar esta gente, com que coragem se pode exigir melhores salários para um emprego de 35h semanais, sem indicadores de produtividade ou possibilidade de avaliação de desempenho?

Quando é que alguém vai conseguir dar a entender a sindicatos e sindicalizados que para se exigir algo do "patrão", é importante garantir que exista uma moeda de troca? Quando é que se vai perceber que a razão de um ensino fraco é tanto de governo como de professores (e outros funcionário)? Quando é que se vai perceber que o crime é tanto responsabilidade do governo como de forças policiais (e não só dos "criminosos")?

Quando era pequenino e queria pedir aumento de semanada aos meus pais, tinha de ter a certeza que as notas nesse período/ano iam ser boas! Só assim poderia ter algum poder de reinvidicação...

Bom, voltando à viagem vou-vos falar agora um pouco de Juazeiro do Norte. Como vos disse, é uma cidade de forte índole religiosa (católica romana apostólica), um pouco à semelhança de Fátima. É, no fundo, um local de peregrinação, sobretudo em busca de milagres e pagamento de promessas ao mencionado Padre Cícero, que é o padroeiro da terra.

A cidade é bonita, e a sua visita não dispensa o museu do Pe. Cícero, o mercado central e o local de culto no topo da serra do Horto, com uma vista impecável sobre a região.

A distância entre o Crato e Juazeiro é de 10km, e há diversos transportes públicos que fazem a ligação a toda a hora.

Também aqui encontrei pessoas muito afáveis, embora a cidade seja um pouco mais perigosa, sobretudo à noite.

Finalmente, e para terminar a crónica de hoje, deixo-vos uma breve descrição de Petrolina que a julgar pelas primeiras impressões, merece uns bons 3 a 4 dias de visita. A cidade é razoavelmente grande (300 000 habitantes), com diversos museus, catedral, igrejas, parque zoológico (no interior do quartel de Infantaria) a visitar.

Fora da cidade há 3 ilhas pequenas que são muito procuradas pelas praias fluviais (rio de S. Francisco).

Com pena minha, não vou poder ficar mais tempo na cidade, mas é sem dúvida um local a visitar.

Bom meus caros, hoje fico por aqui.

Assim que possível, volto com mais!!


Até breve



Depois da Crónica do Emigrante e da Crónica do Retornado, eis a Crónica do Viajante Parte II

Meus amigos,


Antes de mais, uma palavra de agradecimento para todos os que enviam informação de retorno (vulgo feedback) à carta do emigrante, pois as vossas opiniões (sejam elas positivas, negativas ou insultuosas hehehe, são bem vindas!).

Então conforme prometido, estou de volta hoje para continuar a narração da viagem pelo nordeste brasileiro.

Se bem se recordam, saí ontem de Fortaleza supostamente em direcção a Salvador da Bahia, mas porque umas pessoas amigas de um conhecido meu seguiam viagem para sul, acabei por pegar a "carona" e seguir viagem com eles.

A viagem de 7h foi feita em amena cavaqueira (paisagens incríveis pelo caminho!), onde se falou de tudo e mais alguma coisa. Deu para perceber que a malta de cá ainda vê os portugueses como os colonialistas que andaram por aí a cortar mato e a dar porrada em escravos, mas nem por isso notei quaisquer sinais de rancor ou antipatia por parte dos Cearenses.

Para comprovar este argumento junta-se o facto de não terem aceitado dinheiro pela viagem, e ainda por cima me pagaram um belo lanche de café e pão com queijo pelo caminho!

Palavras para quê?

Por conveniência de transportes, acabei por ficar numa terra chamada Acopiara para seguir depois de ônibus para o Crato (terra da Chapada do Araripe).

Deixaram-me à porta de uma pensão bem típica e barata (10 reais/noite) que por azar estava lotada; mas logo tudo se resolveu (aqui tudo tem solução!), já que fiquei a dormir numa cama de rede na arrecadação das bebidas.

Depois de largar as malas no "quarto", juntei-me ao grupo de pessoas que estavam na esplanada a "tomar cerveja geladjinha"; ficaram curiosos por ver um estrangeiro (pelo que percebi não passam aqui muitos) e como é óbvio, acabei a tocar violino para os presentes. De Roberto Leal às músicas de Carnaval que estamos fartos de ouvir aí no Boro, valeu tudo!!

No final convidaram-me para ir a uma festa de forró à Brisa da Noite, e que bela festa que foi. Cerveja a rodos, música sem parar (sempre o mesmo cd no "repeat"!!) e bota boa disposição no ar!

A cerveja aqui (à semelhança do que vi no Equador) é de 600ml e ninguém compra uma cerveja para si; antes, compra-se cerveja à rodada e trazem-se copos para dividir e partilhar por todos. Em contraste, temos em Portugal a cultura da mini em que cada um vale por si, ou seja, uma cerveja para cada um. Curioso o sentido de partilha entre os dois países, hem...

A festa foi valente; a vila é conservadora (cultura do vaqueiro bem presente), e foi giro ver a interação social. Havia de tudo: rapazes atrás das raparigas, solteirões encostados aos cantos, casais feitos a dançar "p'a caramba" e dois velhotes com idade para serem avôs a rodar as moças todas da festa; que energia impressionante!! Qual terceira idade, qual quê?!

No final (cerca das 2h) voltei para o quarto, onde me esperava a cama de rede na arrecadação das bebidas. Escusado será dizer que dormi pouco ou nada; do barulho da televisão aos camiões que passavam, e ainda a malta do bar que ficou acordada nos copos a noite toda, não houve mesmo silêncio para descansar.

Um personagem curiosa que conheci aqui foi "o Chileno". Quando cheguei, disseram-me que como não havia quartos disponíveis, teria de partilhar quarto com "o Chileno". Devo admitir que no momento, e com a entoação que deram à conversa, fiquei um pouco preocupado, ainda mais quando cheguei ao tal quarto do indivíduo e fui imediatamente recebi com um simpático "hola, yo fumo y ronco mucho!!"

Claro que final acabei por conversar mais calmamente com o indivíduo que tinha por sinal uma cultura fantástica (pediu-me para tocar clássicos de Mussorgsky a Prokofiev, de Vivaldi às Czardas de Monti e rock de Deep Purple a Metallica!!) e uma simpatia contagiante. Raramente as 1as impressões batem certo...

Contou-me que tinha passado quase 20 anos Brasil até decidir (no ano passado) voltar à terra natal; por azar, quando chegou ao sítio levou com um tal sismo de nível 8 na escala de Richter (lembram-se das notícias?) e perdeu o pouco que tinha! Voltar ao Brasil tornou-se portanto inevitável...

Pensemos agora por momentos na vida que levamos aí em Portugal. Não será um pouco egoísta dizermos que temos vida difícil por causa de uma crise económica e financeira de merda, quando ouvimos a história do Chileno (ou de outras similares aí por esse mundo fora...)?

Continuando, acabei também por saber que na igreja de Maranhão (cidade que fica mais para o interior), a comunhão na missa é feita com um derivado de uma planta que vem da Amazónia e que tem efeitos alucinogénicos. Curioso, hem??

O dia de hoje foi tranquilo. Acordei de manhã (se bem que nem cheguei a dormir no verdadeiro sentido da palavra!), dei uma volta pelo sítio, e como o achei bastante tranquilo, aproveitei para tirar as primeiras fotos da viagem. Há realmente coisas interessantes; nada como as cidades do interior, longe dos destinos turísticos, para se andar descansado na rua! E isto é assim em qualquer parte do mundo mesmo...

Bom meus caros, por hoje fico por aqui. Sigo viagem de ônibus dentro de 1h em direcção ao Crato; quando lá chegar, e caso tenha acesso à internet, continuo a mandar notícias.

Até lá, tudo de bom para vocês.


Aquele abraço

Depois da Crónica do Emigrante e da Crónica do Retornado, eis a Crónica do Viajante!

Olá amigos, que tal?


Escrevo-vos desta vez do Brasil, mais concretamente de uma localidade chamada Acopiara, no interior da região do Ceará.
A estória começou há 4 dias atrás, logo no aeroporto de Lisboa: é que para além e me ter esquecido do passaporte em casa (tive de voltar atrás!! Obrigado aos meus pais :), quando passei a zona de embarque fui logo avisado pela polícia que o prazo do passaporte acabava no dia seguinte!!!

Deixaram-me passar, mas avisaram-me logo que ia te problemas na chegada ao Brasil.

Por sorte, no aeroporto de Fortaleza não repararam no pormenor e deixaram-me entrar: tinha um vôo para Salvador no dia a seguir, mas já não arrisquei apanhá-lo não fossem topar a falha.

Fiquei então em Fortaleza, e depois de uma noite bem dormida no aeroporto de Pinto Martins, fui para a cidade à procura de quarto para ficar. No ônibus, pedi indicações a uma senhora que não fez menos que desviar o seu caminho e levar-me à porta de uma pensão barata e de confiança!!

Fiquei logo bem impressionado pela gentileza das pessoas, e inevitavelmente comecei a imaginar qual seria a probabilidade de isto acontecer em Portugal!!

Seremos assim tão hospitaleiros quanto se diz?? Recebemos bem os estrangeiros por natureza, ou por interesseirice? Pensemos nisso...

No fim de deixar as malas convidei a D. Sandra para "tomar um suco de mamão (papaia)" como forma de agradecimento. No meio da conversa avisou-me para ter cuidado na cidade, mais propriamente nas zonas de bôites do Dragão do Mar, Praia de Iracema.

O resto do dia aproveitei para passear e começar a conhecer a cidade, e depois de jantar uma bela maminha (basicamente carne assada com arroz de feijão!!!) fui dar uma volta à praia de Iracema para conhecer o tão afamado sítio.

Foi aí que conheci o Arnaldo, músico de bossa nova que tocava para clientes de um restaurante à beira-mar. Conversa para aqui, conversa para ali e ficou logo agendado um show para 2 dias depois com jantar pago e talvez mais qualquer coisa.

Depois da conversa e de algumas cervejas em cima, fui às curvas para casa; no caminho ainda me enfiei sem querer por uma favela, mas logo me lembrei dos sábios conselhos da minha jeitosa e voltei para trás antes que fosse tarde (realmente, os "caras" do sítio olharam-me logo com ar de interesse!).

No dia a seguir atravessei a cidade a pé, passei por museus, exposições, galerias, mercado central, ruas e bairros. Pelo caminho fui ainda avisado por 2 pescadores locais para não seguir caminho por uma determinada rua, pois ia ter à favela da praia do Futuro e isso não era boa ideia mesmo! No final, acabei na tal Praia do Futuro onde aluguei uma prancha para surfar as marrecas do sítio. As ondas não eram mesmo nada de especial, mas valeu pela temperatura da água e boa onda dos locais.

Mais uma para nós; quando surfo em Portugal, nunca consigo uma relação amistosa com os locais!! Cá pra mim, estamos cada vez mais uns seres "arrogantezinhos" e com a mania que o que é bom, é só pra nós!!

4ª feira atravessei a marginal da cidade a pé, até chegar ao porto; aí, peguei o ônibus pois não convinha atravessar a favela a pé, e fui procurar novamente umas marrecas para matar o vício. No final da tarde, rumei para a Pousada para mudar de roupa para a noite.

Conforme combinado 2 noites antes, toquei em troca de jantar e bebida; o curioso mesmo foi um empresário Peruano que ia pedindo músicas avulso (Richard Clayderman, Vivaldi, Chopin...) e pagava 10 reais por cada música que saísse bem...valeu o esforço, hehehe! :)

Assim foram os 3 primeiros dias; amanhã continuo a história de como vim parar ao interior da região do Ceará quando na verdade era para ir a caminho de Salvador!

Até lá, grande abraço.

1ª Carta do Retornado












































Olá amigos,


Há já 2 anos que não vos encontrava por estas bandas! Engraçado que somando a estes 2 anos os 3 que estive fora, contam-se 5 anos desde a primeira carta do emigrante!!

Desta vez, e passado este tempo, achei por bem passar a chamar a esta reflexão Crónica do Retornado, em substituição da anterior e já saudosa Crónica do Emigrante. Mas como em muitas coisas nesta vida, muda o nome embora a essência se mantenha.

Durante estes 2 últimos anos, a adaptação a uma vida “sedentária” não tem sido fácil. Deixar para trás viagens, histórias, amizades, sítios e emoções em prol de uma vida típica de qualquer país desenvolvido (i.e. trabalhar e viver loucamente em busca de não se sabe bem do quê ou porquê…), não é de todo uma decisão fácil, ou mesmo lógica.

Aliás, a lógica aqui resume-se basicamente à Cristina e à necessidade de ganhar sustento para quiçá, partir novamente um dia. Mantendo-se o sonho, tudo ganha mais sentido.

Permitam-me aqui fazer uma pequena reflexão acerca deste último ponto, o de ganhar sustento para o dia-a-dia.

Curioso que enquanto estive no Equador, a necessidade de dinheiro era ridiculamente baixa; basicamente, passava perfeitamente com pouco dinheiro na algibeira ou na conta, e não sentia a mínima necessidade de comprar o que quer que fosse.

Em contraste, nos países ricos onde estudei ou trabalhei (França, Inglaterra, EUA), senti sempre necessidade de comprar ou ter algo, por mais pequeno que fosse; e no entanto, as recordações mais duradouras, as emoções mais fortes vêm sem dúvida das selvas e aldeias Equatorianas.

Como as coisas mudam…será de mim, será dos tempos que se vivem, será do país onde vivo?

Hoje em Portugal, não passo com menos de 30 euros por dia, entre despesas com carro, refeições, comunicações, roupas minimamente adequadas, propinas e impostos, ou outras tretas afins…

Considerando disto, digam-me sinceramente se não é lógico questionar o sentido das nossas vidinhas ridículas de “gente rica”, em busca de um carro grande, um apartamento ou casa ainda maior, roupa cujo preço nos envergonha perante povos que vivem com muito menos que nós…mas afinal de contas, do que é que andamos todos à procura?

Deve ser algo mesmo importante ou valioso, a julgar pela velocidade com que o procuramos…

Ou não.

A minha geração (geração de 80), corre pela vida de forma louca e vertiginosa; mas sinceramente, duvido que saiba para onde corre, porque razão corre ou quem pisa quando corre.

Fomos educados e treinados para sermos trabalhadores eficazes, para encontrarmos de forma eficiente um emprego bem remunerado (digam-me se não é o sonho de qualquer pai ver o filho ou filha com formação avançada, com um bom emprego, um bom carro, casa, telemóvel, etc.), para conquistarmos o…sonho europeu!

Mas no meio disto tudo, alguém se preocupou em nos ensinar a ser felizes?!

Alguém se lembrou que o dinheiro e o sucesso não compram tudo…que podem não ser mais que uma ilusão de oásis no meio de um deserto com muitos camelos?!

Alguém pensou que a Escola não se resume apenas a livros, e que a melhor aprendizagem vem da rua, da vida, do mundo?

Penso que não, porque também são poucos os que acreditam que a essência da vida se centra nas experiências não tangíveis, no ser e fazer ao invés do ter e parecer…

Tenho uma forte convicção que é esta necessidade de ter e parecer que nos faz andar a correr loucamente atrás do que não pode ser apanhado; pondo a questão de forma metafórica, quase parece que andamos a correr atrás da nossa sombra, a ver se descobrimos o que (não) está por detrás.

Esta ambição sem sentido é causa de muitos dos males do mundo; no fim de contas, tudo se resume a ter mais do que necessitamos e ao inevitável desperdício de recursos, sobre os quais deveríamos ter a maior das preocupações.

Dos combustíveis fósseis aos recursos naturais, passando ainda pelos recursos humanos de países em desenvolvimento e dos quais nos aproveitamos de forma cobarde e despreocupada (conhecem a expressão “anda meio mundo a foder outro meio mundo”?), é absurdo o impacto que causamos no ambiente físico e humano que nos rodeia no intuito de satisfazer as nossas vontades mais primitivas e irracionais.

Somos cada vez mais seres reles, egoístas, sem preocupação pelo impacto que as nossas acções têm sobre terceiros, estejam eles mesmo ao nosso lado, ou a 10.000km de distância.

Exactamente por isso, não compreendo a razão para se consumir mais do que necessitamos verdadeiramente, ou de uma forma geral, a razão para tanto desperdício de energia? Mais que tudo, é no equilíbrio que se encontra a virtude.

Bem vistas as coisas, é simples ver que os sucessos das nossas vidas são muito fruto do acaso; o mérito pessoal, a vontade de vencer…

Baahhhh! Tretas é do que se trata...tivéssemos nascido em qualquer outro país com menos recursos, a ver o que teria sido de nós. No fim de contas, somos todos iguais uns aos outros.

É sobretudo o acaso de nascer no sítio certa à hora certa, de ter a pessoa certa na hora certa que nos permite fazer algo mais (ou menos…). É certo que nossa a persistência, capacidade de luta e de vencer é que potenciam as oportunidades que surgem, mas o meu argumento é essencialmente sobre a sorte de ter acesso às melhores oportunidades, às melhores companhias, ao melhor dos ambientes.

Bom, hoje não tenho tempo para mais, mas antes de terminar deixo-vos com um pensamento:

- A ingenuidade é das raras coisas da vida que uma vez perdida, nunca mais pode ser recuperada…


Até breve,



Nuno Santos
Olá amigos, como estão?

Espero que a vida vos corra bem nessa terra solarenga, e que estejam a atingir os vossos objectivos pessoais e profissionais (inteligentemente e previamente definidos!) com a maior motivação e ambição possível!

Hoje acordei com as extremidades dos membros inferiores de fora da cama e estou com um espírito crítico bastante aceso. Tenho ganas de disparatar!

Não sei porque, mas nestas últimas semanas tenho andado a pensar nas características da massa populacional que faz peso ao chão no nosso bonito pais!

Bom, afinal acho que sei porque e tenho andado tão crítico ultimamente! É que estive em Portugal há duas semanas atrás!

Foi bom voltar e rever o sol, a família, os amigos, o surf...e a Cristina!

Mas depois tive de gramar outra vez muita "gentinha" detestável com a qual tenho de partilhar o meu país. Mais uma vez fiquei com a impressão de que o número de imbecis esta a aumentar em Portugal de forma galopante; direi mesmo, em progressão geométrica!

Ora vejamos: mal cheguei, levei logo com a situação dos deputados da Assembleia da República que andaram a baldar-se ao trabalho na Páscoa, e, pior ainda, com assinatura no livro de presenças! E não são precisos mais comentários aqui...

Quer dizer, com toda a gente a ver que é preciso trabalhar muito para mudar "o rumo do nosso barco", deixar de "apertar o cinto" (gesticulando os braços!) e esses filhos de senhoras de aluguer a andarem a fazer destas!

Honestamente meus caros, isso da-me mesmo volta a cabeça! Mas parece ueq tudo passou despercebido...excepto o paneleiro do Castelo Branco que deu nas vistas a fazer malabarismo com os tomates de um cavalo, a enfiar 10 pilas de elefante no cu, e tudo isto sem mãos e em cima do arame!!

Mas é que isto de políticas reporta-me também para o que se passou durante as eleições autárquicas onde Fátimas Felgueiras e outros que tal voltaram ao poder!!
Desculpem o desabafo, mas somos mesmo um pais constituído por uma elevada percentagem de otários!! Somos enganados, roubados, gozados e ainda vamos atrás de quem nos fecunda o orifício anal sem qualquer tipo de lubrificante!!! Só de pensar que ainda há pessoas que vão abanar bandeiras para os comícios partidários, ate me da vontade de...MANDÁ-LOS TODOS A MERDA!!

AArrrggghhhhh!Mas será que só a mim é que isto da raiva!!
Somos todos tão imbecis para aturar isto?
Honestamente, são porcarias como estas que muitas vezes me fazem questionar se quero realmente ficar no meu país!!!
Ando eu aqui a fazer pela vida, a dar no duro para me valorizar para depois voltar para o meu país e ver meia dúzia de imbecis bem falantes a tomar os tachos todos para si e para os seus!!!Enquanto eu ando a apanhar maçãs, a fazer passagens de ano em restaurantes e a tocar violino para me manter!!

Nas outras cartas do emigrante destoei rosários de maravilhas às condições naturais do nosso pais, mas desta vez não consigo resistir a criticar quem faz o pais, ou seja, todos nos (eu incluído)!

Bom, mas apesar de tudo temos muita sorte...e que podia ter sido pior!!!

Reparei quando tive aí que o tempo deixou de ser o assunto mais discutido nas conversas entre as gentes!Pareceu-me que agora todas as conversas começam com "...pois pá, o problema do país é que..."!
Mas que raio é "o problema do país"? #
Mas haverá porventura apenas um problema?????
Para mim, o pais tem mas é 10 milhões de problemas que o atormentam diariamente!

Em vez de todos andarem para ai a cagar diagnósticos do país, que tal cada um fazer bem o seu trabalho, cumprir com as suas obrigações, e deixar de se armar em campeão quando escapa de forma "astuta" as ciladas institucionais!

Ah, e a outra coisa: que tal os adultos deixarem de aliciar a juventude com o ir para a faculdade estudar, para depois ter um emprego e ordenado melhor!!
Mas que raio de ideia é essa?
Vai-se para a faculdade com vontade de aprender e de saber mais!O emprego e o salário melhor são apenas consequências dessa opção!!!!E nunca a razão principal!
Senão, andaremos sempre a enganar quem estuda, e a razão que os levara para a universidade será puramente economicista!!Assim, não vejo muita gente a ser feliz a longo prazo com o seu emprego!!!E a produtividade será necessariamente menor!!!

Bom, já chega! Ja estou a "suar pelos cotovelos"!
Não queria ser mais um daqueles que cagam diariamente sentenças relativas ao que o país precisa, mas acho que acabei por o ser!

Um abraço

PS - mandem-me as vossas opiniões e critiquem-me por favor! A ver se mudo esta visão "negativorealista" da nossa terra!

1ª Carta do Emigrante - II Série









Equador, 22 de Maio de 2007


Olá amigos, que tal essas vidas?

Espero que bem!

Penso que já muitos saberão que estou no Equador. Por forma a ajudar-vos a situarem-se melhor em termos geográficos, estou a viver no norte do Equador, província de Imbabura, região de Intag, localidade de Santa Rosa, reserva natural de Alto Choco.

Esta região fica a cerca de 4h de autocarro da capital, Quito, e a 2h da cidade mais próxima – Otavalo. De notar no entanto, que a distância entre Otavalo e a localidade da reserva é de 40km, mas que demora 2horas a ser feita. As estradas…bom, vejam as fotos e julguem por vós próprios.

No fim de sairmos do autocarro, temos uma revigorante caminhada de 30 minutos por uns carreiros tendencialmente lamacentos (tipo, lama até aos joelhos…) e com partes bem desafiantes em termos de equilíbrio e de resistência cardiovascular, até que finalmente chegamos à base da reserva. Mas meus amigos, devo-vos dizer que nem a lama, nem as inclinações, nem os rios sem pontes que atravessamos nos fazem alguma vez voltar para trás. Antes pelo contrário, quanto mais andamos para a frente mais queremos continuar pois a paisagem é cada vez mais impressionante à medida que vamos entrando na reserva.

O sítio é realmente fantástico, parece mesmo tirado de um filme.

Uma vez chegados à base da reserva, temos dois casebres (cozinha e quartos) que podem albergar até um máximo de 18 pessoas, e ainda duas casas de banho e um duche feito de bambu. O meu quarto está assente sobre um chão de tábuas mal emparelhadas que denunciam um intervalo 30cm até ao solo, e vidros frágeis que permitem adormecer e acordar com uma vista deslumbrante.

Os ratos são companhia habitual, e as suas caminhadas em busca de alimento constituem a banda sonora que me adormece. Os sons de grilos (e outros animais), a chuva e o rio que aqui corre ao lado completam o resto da orquestra.

A cozinha é também pequena, ainda assim prepara diariamente 18 refeições para os voluntários, e para as duas famílias que trabalham a tempo inteiro aqui na reserva. Na cozinha tudo é guardado em caixas (sim, tudo!!) para evitar que os “ratones” nos comam os víveres (por aqui, o bicarbonato de sódio, caixas de cartão, caixas de fósforos, tudo serve de comida para estes seres. Incrível…)

A reserva fica a 3000m de altitude numa floresta nublada que faz parte de um dos 10 locais no mundo com maior biodiversidade (“hotspot” – classificação feita pela organização WWF - World Wildlife Fund). Rodeado por rios e cascatas, montanhas e vulcões que podem subir até aos 5000m, e animais simpáticos como pumas, ursos, tucanos, colibris, aranhas que não fazem a depilação, é assim que por agora me encontro acompanhado. Melhor que isto, só mesmo se a minha jeitosa estivesse aqui por perto!

Como será lógico de entender, a humidade é de 100% durante as 24h do dia. A roupa demora cerca de uma semana a secar (só quando o sol aparece em força, o que raramente acontece), a lama é uma constante, os rios ganham uma corrente impressionante quando caiem as chuvadas e a mosquitada não dá um minuto de descanso.

Bom, não consigo resistir e vou passar já às situações caricatas dos primeiros dias:

Dia 1

Viagem até à reserva. Vejam as fotos para perceberem o tipo de “estrada”. Depois de 40000 saltos nos bancos do autocarro (sensivelmente um a cada metro da viagem) cheguei à base da reserva; mas quando pensava que tudo já tinha passado mal podia adivinhar que ainda teria de caminhar 30min com as mochilas às costas debaixo de uma chuva intensamente revigorante, e em cima de um caminho "inclinadamente lamaçoso"!

Jantar à espera, com umas fantásticas “tortillas”, arroz, lentilhas e “plátanos” (bananas) fritos, e as famílias anfitriãs a mostrar o que este povo Equatoriano tem de melhor. Simpatia a rodos, e sorrisos aos magotes apesar das condições de vida difíceis no que toca à parte económica (pelo menos, é o que a nossa cultura ocidental nos leva a pensar!).

Depois da janta, um duche rápido em cima de uma pedra com 1m de altura, rodeada de bambu e com um chuveiro alimentado pela água do rio! Raras vezes uma banhoca me soube tão bem. Pior mesmo é depois de uma bela banhoca ter de untar o corpo com repelente de insectos! Untar literalmente, porque a bicharada aqui ainda não percebeu que os repelentes contra insectos também se aplicam a eles!

Dia 2

Sábado, dia livre em termos de trabalho na reserva. A manhã foi para fazer a primeira caminhada pelos supostos “caminhos” da reserva (caminhos abertos à catana) até uma cascata fantástica, passando pelo local onde o puma que atacava os rebanhos e manadas locais (antes de ser reserva, esta sítio foi zona de pastoreio) dormia.

Os mosquitos, a lama, a chuva…nem dou por isso! Engraçado que trouxe para aqui umas botas de montanhismo que me custaram cerca de 80 euros há alguns anos atrás (à prova de tudo e mais alguma coisa), mas o único calçado que uso por aqui são mesmo uns botins de borracha que me custaram 4 dólares!!

À tarde, fui para Otavalo para ajudar numa festa que tinha objectivo de angariar fundos para ajudar a reciclar o lixo das comunidades mais pequenas da região de Intag (ou seja, mais 2h de viagem da mais pura adrenalina). Evento organizado por “hipies” amantes da natureza, com o melhor coração e com as melhores intenções do mundo…mas com a cabeça demasiadamente ocupada com idealismos utópicos para prestar atenção a assuntos básicos relacionados com a organização de eventos.

Pondo a coisa por miúdos, estava tudo uma confusão do caneco quando eu e mais 5 dos 14 voluntários que estou aqui a coordenar chegámos. Basicamente pusemos tudo de pé, preparámos o que havia a preparar, tendo ainda posto a minha rabeca ao serviço da causa ecológica (atenção GS, aí está mais uma para a tipologia de serviços). Actuei para uma plateia de cerca de 100 Equatorianos e Quechuas que miravam com curiosidade a improvisação do momento!

Acabada a “festa”, ida até um bar local para beber uma bela Pilsener de 0,75litro. Conversa aqui, conversa ali e conheci o Pablo, virtuoso local da guitarra que conhecia todos os sucessos musicais equatorianos…ah, e ainda Scorpions e La Bamba. Espectáculo garantido para quem estava no bar; foi um “arrebimb’ó malho toma lá que já levas” do melhor. No final, os habituais aplausos e oferta de mais umas litrosas.

Gente boa, música “malhadora”, sorrisos, simpatia e curiosidade para conhecer a bandeira que envolvia a rabeca foram os ingredientes que contribuíram para uma noite memorável!

Dia 3

Domingo, alvorada às 7h para ir comprar bilhete para a viagem de regresso (apesar de aqui caber sempre mais um passageiro, o risco de ficar apeado era grande). Depois da missão cumprida, houve tempo para caminhar pela cidade e inteirar-me sobre como a vida corre nesta parte do mundo, e ainda para saborear uma banana assada. Cidade pacata, gente simpática (e baixa; sentia-me um alemão com 2,20m de altura a caminhar pelas ruas de Alfama) e um ritmo de vida próprio de um Domingo num qualquer país latino.

As 3h da tarde chegaram rapidamente, bem como os 40000 saltos até à reserva. Amigos, para quem de vós gasta uns cobres valentes na procura da mais pura adrenalina, venham cá e paguem os 1,65 dólares da viagem! Satisfação garantida, ou dinheiro devolvido!

Bom, já vos roubei tempo que chegue. Hoje fico por aqui, mas prometo que da próxima vez que for à civilização enviarei mais uma crónica para vosso gáudio e curiosidade!

Uma pequena nota final: tentem reflectir um pouco sobre a real importância do dinheiro na nossa felicidade! Já o havia feito, mas sem dúvida que este país e a sua gente me levaram a fazê-lo de uma forma nova, e quiçá, mais realista!


Outra ainda: até que ponto a falta de electricidade, a chuva, a lama, os mosquitos, a humidade, etc, etc, vos vai impedir de seguir uma experiência parecida com esta!

Um grande abraço para todos,

Até breve

V Carta do Emigrante







Newcastle, 6 de Maio de 2007


Olá amigos

Que tal essas vidas?

Esse optimismo está de volta? Depois do governo anunciar um ano de crescimento (raquítico!) económico do país, parece que começa a aproximar-se a altura em que as coisas podem, afinal de tudo, melhorar!

Esperemos que sim!

A carta do emigrante de hoje tem como objectivo discutir um assunto que condiciona, na minha opinião, a evolução pessoal, social, cultural e económica do nosso país.

Esse assunto tem a ver com a resistência que oferecemos à mudança.

Mais uma vez, pretendo com estes assunto demonstrar que uma das razões pela qual ainda não temos um país de excelência tem origem tanto nas chefias como em todos os outros níveis hierarquicamente abaixo.

Relativamente à resistência à mudança, é um facto incontornável de que o corpo humano está naturalmente desenhado no intuito de armazenar e economizar energia.

Um facto curioso que vem a propósito é que, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (WHO), existem actualmente no mundo mais pessoas a sofrerem com problemas de excesso de peso do que com falta de nutrição. Somos ou não uma verdadeira máquina optimizada para armazenar energia? A Natureza é realmente fantástica!

Mas voltando ao assunto da resistência à mudança, será fácil entender que se o nosso corpo está desenhado para guardar energia, uma das formas para o atingir este objectivo é naturalmente contrariando todos os esforços que impliquem alterações na homeostasia corporal (homeo = igual; stasis = ficar parado).

Em poucas palavras, faz parte do ser humano apresentar resistência a todas as situações que impliquem alterações ao seu equilíbrio.

E pelo que tenho visto, esta característica é especialmente característica do Tuga Commune (do Lat.).

Ou seja, cada vez que surgem soluções que exigem ser repensadas, situações que impliquem modificar a forma como o problema foi sempre resolvido, definições que devem ser questionadas, esforços económicos essenciais para restabelecer défices públicos...ai, ui, minha nossa, venha o Carmo e a Trindade, que isto vai já tudo corrido a greve!

Não quero de maneira nenhuma discutir o direito que todo o trabalhador tem de fazer greve, nem tão pouco as implicações sérias que as opções do governo tiveram nas famílias mais pobres ou nas empresas e organizações mais pequenas.

Apenas quero ressalvar que um dos valores dominantes na cultura latina é oferecer resistência a tudo o que possa implicar mudança, mesmo que essa mudança possa vir a trazer vantagens e benefícios!

Digam-me lá se não acham estas expressões familiares:

“Eh pá, isso é assim que se faz e mai’ nada! Vens agora tu com a mania de que sabes mais que eu?”

“Isto foi-me ensinado desta forma quando pra cá vim há 20 anos atrás, por isso é assim que faço!”

Computadores? Internet? Isso é só para os novos! (só por curiosidade, 73% da população da Holanda sabe navegar na Internet!)

Bolas, largar o subsídio de desemprego para ir fazer aquilo e ainda por cima ficar a ganhar quase o mesmo?!

Etc, etc, etc...

Não é que outros povos não sejam assim. Gente preguiçosa e sem ambição sempre houve e sempre haverá em todo o lado.

O problema é a quantidade dessa gente que existe na sociedade. É o caso em que quantos mais...pior!

Para além de falta da falta de ambição (e de motivação, reconheço!), temos ainda a conflitualidade própria de um povo de sangue quente! Ferve-se em pouca água, faz-se uma tempestade num copo de água! Como diria o Sr Scolari, “o português é um povo de 8 ou 80”.

Para um povo que recebe toda a estrangeirada de braços abertos, é no mínimo curioso que recebamos gente nova no local de trabalho de punhos fechados! Ou seja, somos bons para os outros e maus para nós próprios!

Acho que nos esquecemos muitas vezes de que a nossa competição é com a Espanha, França, Inglaterra, Irlanda, Índia, China e por aí fora! Parece que ainda não percebemos que as “guerrinhas” internas não levam a lado nenhum, mas antes, roubam o tempo, esforço e a paciência necessária para enfrentar a concorrência estrangeira!

Obviamente que conflitos internos sempre houveram, assim como vão continuar a haver! Mas quando estamos na eminência de ser “invadidos” pela estrangeirada de olhos em bico, há que esquecer as lutas com o vizinho e juntar esforços para dar uma biqueirada no cu a quem vier! “Até os comemos!”

Sei que os mais cépticos estão a ler este texto e a pensar que estas palavras não são mais do que quimeras, e que há outros problemas mais graves que são a verdadeira causa de estarmos “quinados”!

Discuto este argumento, pela simples razão de que antes de nos preocuparmos com a nossa imagem exterior (associe-se a isto a procura de investimento estrangeiro, ganhar o campeonato do mundo de futebol, encontrar o D. Sebastião...) é essencial ultrapassar problemas internos que, a longo prazo, podem vir a questionar todos os investimentos feitos no presente!

Ok, depois de tanta filosofia, o que quero mesmo dizer é da próxima vez que entrarmos numa discussão, valerá a pena questionarmos se essa discussão vai levar a algum lado!

Ou seja, se for uma discussão do tipo “tasca” em que cada participante manda umas bocas, mas que no final não se chega a conclusão alguma (pior, acabam todos a discutir irracionalmente!), então nesse caso penso que vale mais a pena mantermo-nos fiéis ao princípio de economizar energia e nem sequer nos cansarmos com isso.

Mas se for uma discussão em que se chega a uma conclusão relativamente positiva (mesmo que não tenha tido em conta a nossa ideia), então aí valerá a pena passar à fase seguinte de pô-la em prática de forma eficaz. Temos de perceber de uma vez por todas que é impossível reunir todas as opiniões num plano! Opções têm de ser tomadas e não há espaço para todas as ideias. Nem todos nos podemos vangloriar de que “aquilo foi feito assim, porque fui eu que dei a ideia da fazer assim”!

Afinal de contas, os planos mais eficazes são aqueles que são baseados em ideias simples! Mais, a parte mais importante do plano é a forma como é posto em prática! Acho que o país está a passar por uma crise de auto-realização individual!

De acordo com o psicólogo americano Abraham Maslow, o ser humano tem 5 necessidades básicas, sendo a última delas a necessidade de auto-realização (as outras são, das mais para as menos importantes, as necessidades fisiológicas, necessidades de segurança, necessidades sociais e necessidades de auto-estima).

Quer-me parecer que após o 25 de Abril as necessidades de segurança, as sociais e as de auto-estima ficaram de certa forma resolvidas. A explosão nacional de alegria que aconteceu terá contribuído para isso! No entanto...as de auto-realização não!

Provavelmente porque depois de muitos anos debaixo de um regime autoritário, muitos sentiram a necessidade de fazer algo pelo seu país (e que até à data tinham sido impedidos), tendo um papel activo e visível pela sociedade no que respeita a decisões sobre os rumos da sua comunidade local e do seu país. Basicamente, considero que foi a necessidade de exteriorizar pensamentos recalcados durante muitos anos, dirigidos a uma sociedade com novos direitos e ambições. Até aqui tudo muito louvável!

O problema aqui surge, no entanto, quando o sangue quente latino vem primeiro que a razão! E nessa situação, por muito boa vontade que haja, será sempre muito difícil chegar a uma conclusão geral, aceite por todos.

Para finalizar, é importante paro o nosso futuro enquanto cidadãos aprender a aceitar as opiniões dos outros, aprender a aceitar que a mudança é boa para o desenvolvimento e que a nossa opinião, por muito boa que seja, não vale de nada se não for aceite pelos outros. E só poderá ser aceite por outros se nós também aceitarmos as deles!!

Um abraço a todos.

Como sempre espero as habituais críticas e comentários. A vossa opinião é importante para mim!



IV Carta do Emigrante





Newcastle, 12 de Abril de 2007


Boas minha gente,

Tudo bem com as vossas vidas?

Espero que sim!


Afinal, com a retoma económica aí à vista espero que a moral esteja a caminhar para terrenos positivos!

Pois é, tenho andado atento ao "vento que passa" para saber notícias do meu país!
E parece que apesar de tudo, as coisas até estão a melhorar!

Pode ser que daqui em diante, os 25% de tugas que querem ser espanhóis reconsiderem a sua opinião!

Se no entanto continuarem a pensar da mesma forma, aqui entre nós, "que se joda esa gente"!

Lá bem no fundo, o que esses 25% de tugas querem é arranjar alguém que continue a sustentar a sua inércia física e mental, a sua falta de ambição e vontade de trabalhar!

Talvez até fosse bom para os "restantes" 75% que se fo(de)ssem de vez! Sempre deixavam de mamar à conta dos outros e de gastar a pouca água que temos durante o verão!

Amigos, continuo a dizer que o nosso cantinho tem todas as capacidades para vingar na europa, e até mesmo no mundo.

Certo que cada país tem as suas virtudes e os seus defeitos, esteja ele na Europa, na Ásia, América ou Australásia; mas é a maneira como as virtudes são aplicadas e os defeitos são controlados que se consegue obter resultados!

E neste campo ainda temos muito trabalho a fazer; ora vejamos:

É comum em qualquer conversa curriqueira louvarmos as nossas capacidades enquanto portugueses (somos desenrascados, empreendedores, valentes, sonhadores, destemidos e sabe-se lá que mais...) e criticarmos os outros povos pelas suas azelhices!

Digam-me lá se não concordam quando digo que os espanhóis são uns cromos, que não sabem dizer uma palavra de inglês, que não devem muito à inteligência e que são feios que matam!

Os franceses, ah oui, ainda piores que os espanhóis porque "je ne parle um cu de inglês", porque não sabem o significado de anfitrião e porque põem parfume em cima do sovaco suado!

E os bifes dos ingleses...que pelo contrário só sabem falar inglês, que se pedirmos para opinarem sobre vinho, só sabem responder de forma ébria "humm, got anymore?", que pensam que são melhores que os europeus, e que o mundo lhes rende homenagem quando se fala em futebol!

Os alemães, essa gente que dança de forma rígida e amovível todo o tipo de música, que pensa que tamanho é sinónimo de estatuto social, que cerveja e salsicha é o auge da gastronomia e que sorrir é sinónimo de fraqueza!

E os italianos...mama mia, pizza, pasta, anti-pasta, Silvio Berlusconi, Materazzi, cabeçadas, “no parlo un casso di ingles”, Juventus, etc...

E por essa Europa fora, o que não faltam são cromos!

Mas nós não! Nós somos melhores que os outros todos juntos, porque falamos muitas línguas, porque sabemos beber vinho, porque sabemos receber pessoas, porque se for preciso conseguimos calafetar tudo com pastilha elástica e porque, porque...eh pá, porque somos!

E "mai' nada"!

Eh pá, mas se somos assim tão bons, porque é que não conseguimos tirar proveitos disso?

Porque temos uma coisa, com a qual os outros povos fazem umas piadas, que se chama a "mañana culture"! (são tão esúpidos que nem sabem dizer amanhã!)

Pois é gente boa, esses espécimes rascos dispersos pela europa fora também nos criticam e também se riem de nós! (deviam era ter vergonha na cara e olhar para os defeitos deles antes de nos criticarem não acham?)

Para quem não sabe, a "mañana cultura" é uma das características que a estrangeirada associa a Portugal (mas também a outros países mediterrânicos!) quando mandam piadas sobre nós.

Basicamente quer dizer:

1) "amanhã resolve-se",

2) "eh pá, amanhã vê-se isso",

3) "eh pá, tá na hora de sair; amanhã alguém que trate do assunto que eu não sou pago para me chatear com isso"

4) "o quê, o gajo disse isso!Deve ter a mania que lá por chefe me pode mandar fazer isso. Só p'aprender vai esperar até me apetecer fazê-lo!"

5) etc...

Humm, onde é que eu já ouvi isso?

Pois é gente, de nada serve ter as melhores virtudes do mundo se não forem postas em prática!

Por isso fico um pouco irritado quando a malta se queixa dos políticos, do país, do benfica, da sogra e da prima porque é por causa deles que o país está como está!

A culpa é sempre dos outros (associe-se "outros" aos políticos e aos outros...), nunca nossa.

Pois na minha opinião, apesar da classe política andar demasiado ocupada com as suas guerras dignas da revista Maria, é justo que um pouco da culpa seja atribuída a cada um de nós...comigo incluído!

Ou não? Pois, se calhar não!

Humm, amanhã vê-se isso...

Afinal acho que começo a compreender porque é que somos um povo sonhador...deve ser porque andamos sempre a dormir!

E sabem que mais, a cada dia que passo neste país de bifes aprendo a respeitá-los cada vez mais (não quer dizer, no entanto, que os considere uns porreiraços!!!!).

Têm uma dedicação ao trabalho impressionante, uma auto-disciplina invejável e, surpreendentemente, uma capacidade (única, direi!) de se rirem deles próprios!

A sério, não considero termos essa capacidade!

Alguém costuma ouvir malta rir-se das baboseiras que faz, das "parvoíces" que lhe aconteceram em público, ou de uma forma mais geral, das figuras ridículas que fizemos durante a nossa história (do género, perder o domínio de meio mundo por causa de muita festa e boa vida com o dinheiro das especiarias!; do género, perder o rasto às fortunas que vieram de Bruxelas há uns anos atrás! Engraçada a maneira como a história se repete!)

Considero que não temos capacidade de nos rirmos de nós próprios!Porque temos sempre de ser os melhores em tudo e entre todos, e não podemos admitir que, eventualmente, possamos falhar!

Enquanto não formos capazes de aceitar alguns tristes factos da nossa existência e, muito importante, ultrapá-los, e depois nos rirmo-nos deles...nem as virtudes todas do mundo nos poderão ajudar!

Bom, já chega de conversa!

Vou mas é fazer alguma coisa, porque amanhã há outras mais para fazer!

Um abraço da bifolândia!

Nuno

III Carta do Emigrante






Newcastle, 25 de Fevereiro de 2007


Olá meus amigos e amigas,

Aqui estou mais uma vez.

Passaram-se 10 meses desde que vim para a terra dos bifes. O tempo passou rápido, como quase sempre acontece, mas as amizades, os conhecimentos e as experiências ficarão para os anos vindouros!

A primeira coisa que quero falar hoje, é o facto de quase não me ter cruzado com portugueses até agora.

Sei q há alguns “tugas” aqui em Newcastle - acho que até no Polo Norte os devem haver! Mas o que quero dizer com isto é que temo que o espírito que nos caracterizou outrora - o espírito de viajar, conhecer, descobrir, explorar - e que tanto nos deu, se tenha de certa forma perdido no tempo.

Ou seja, conheci por aqui uma "catrefada" de alemães, espanhóis, italianos, franceses, gregos, holandeses, turcos, chineses, malaios, etc, etc...mas, e portugueses???

Onde é que andam os "exploradores" portugueses?

Será que nos dedicámos à agricultura, e já não temos vontade de embarcar?

Acho que plantar tomates e alfaces no quintal tirou-nos o gosto do mar salgado. Fico a pensar se estaremos a ficar bifes!!

Será já não gostamos de peixe?!

Pois, talvez seja mesmo verdade!

Mas também é verdade que só conseguiremos ser alguém na vida se deixarmos a nossa zona de conforto para trás, e apostarmos no desconhecido, no que está para além do sofá!

Estou com uma pequena impressão que muitos estarão a pensar, "sim,que grande novidade" ou "deves ter a mania que és aventureiro!", mas sabem que mais, bardamerda para quem pensa assim.

Aliás, se esse é o caso é melhor parar a leitura imediatamente e ir regar a horta ou sentar no sofá a ver televisão!

Não quero ser exemplo para ninguém, não quero dar a impressão que sou um Vasco da Gama; apenas quero fazer saltar aos olhos de quem ler isto que é preciso viajar, conhecer, arriscar um pouco mais!

Mais, é minha opinião que viajar é muito mais do que comprar pacotes de viagens para o Brasil (através dos créditos por telefone!!!) para ver palmeiras, bananeiras e mar azul!

É ir ver algo novo, algo que nos ajude a sermos mais cultos, mais inteligentes, mais tolerantes..enfim, melhores pessoas!

Afinal, se não nos sentimos bem com o que temos, então devemos fazer algo para o mudar!

E uma das coisas que se pode fazer é ir à busca de algo melhor, o que por vezes implica viajar!

Não percebo então porque é que, num país com tanta gente descontente com a crise (existencial!!!), ainda há muitos que teimam em ficar sentados à sombra da bananeira!

Humm, acho que começo a compreender porque é que o Brasil é destino tão cobiçado!!!!!

Suponho que, depois de destoar estes argumentos, ainda haja uma horda de resistentes que pensa "se todos saíssemos daqui para viajar quando isto tá mal, queria ver quem é que cá ficava pra tomar conta do sítio"?

Pois, se calhar ainda voltamos a ser invadidos pelos espanhóis!

Otários!

Enfim...críticas e desculpas hão-de haver sempre, no entanto, "os cães ladram, mas a caravana passa"!

Quando há vontade, quando há querer, em cada problema há uma solução! Quando não há vontade, então tem de se criticar e mandar abaixo...

Considero que a nossa forte vida social, no fundo uma das bases do país, é também responsável todavia pela incapacidade de resistir a críticas, de lutar por uma opinião própria (bem baseada em factos concretos e verídicos!)!!

Que medo temos da opinião dos vizinhos!!!! Claro que temos de viver em sociedade e, por isso, temos de obedecer a determinadas regras; mas isso também não quer dizer que se tenha de ir atrás da manada sem ver que caminho ela está a tomar!!

Deve ser por isso que muitos me consideram maluco, louco e com umas certas disfunções do foro neuro-psiquiátrico, etc...

Pois sou-o, sim é verdade, mas com muito orgulho!

Bom, a outra situação que quero referir tem a ver com a diferença entre ser "chefe" em Portugal e aqui nesta terra de gente tonta.

Os "chefes" aqui denominam-se de "managers"; já em Portugal chamamo-los de chefes!!

Exemplos não faltam: desde a ideia do manager de futebol, que por aí se chama "treinador" até ao manager da empresa, que por aí se chama "chefe ou cherne", muitos poderão ser os exemplos...

Se não compreendem a diferença, vão ao dicionário e vejam a diferença entre manager e chefe!

O que quero dizer com isto é que a época de líderes autocráticos, mandões e sem noções de liderança já acabou.

E por aqui acho q isso é mais tido em conta do que no nosso país!

Pelo nosso Portugal ainda há muitos e muitos chefes, para os quais a noção de liderança é "eu mando, tu fazes porque eu é que sei e tu não sabes nada!"

Pois deveria ser exactamente o contrário; o chefe existe para servir os restantes empregados! Ou seja, para lhes "dar" o que eles precisam para trabalharem de forma eficaz!!

Claro que por vezes isso requer uma postura mais autocrática, mais "mandona", mas a principal função de um chefe é ser trabalhar para os empregados!

Temos por isso de ver se conseguimos investir um pouco nesta área; é que os lugares de chefia são a bitola para todos os que estão hierarquicamente abaixo.

Se não tivermos bons líderes, então também será muito difícil termos bons trabalhadores, bons cidadãos!!!

Uma bela prova do que estou a dizer poderá ser o elevado nível de profissionalismo dos trabalhadores portugueses no estrangeiro (nomeadamente França, Inglaterra, Luxemburgo...).

Onde houverem bons líderes, haverão necessariamente bons subordinados!!

Enfim gente boa, obrigado pela atenção.

Enviem-me as vossas opiniões, comentários, etc para o meu mail para discutirmos estes (e outros!) assuntos!

Só assim conseguimos melhorar!!

Abraços e beijinhos, consoante os casos (e sem confusões, hem!!!???)