1ª Carta do Emigrante - II Série









Equador, 22 de Maio de 2007


Olá amigos, que tal essas vidas?

Espero que bem!

Penso que já muitos saberão que estou no Equador. Por forma a ajudar-vos a situarem-se melhor em termos geográficos, estou a viver no norte do Equador, província de Imbabura, região de Intag, localidade de Santa Rosa, reserva natural de Alto Choco.

Esta região fica a cerca de 4h de autocarro da capital, Quito, e a 2h da cidade mais próxima – Otavalo. De notar no entanto, que a distância entre Otavalo e a localidade da reserva é de 40km, mas que demora 2horas a ser feita. As estradas…bom, vejam as fotos e julguem por vós próprios.

No fim de sairmos do autocarro, temos uma revigorante caminhada de 30 minutos por uns carreiros tendencialmente lamacentos (tipo, lama até aos joelhos…) e com partes bem desafiantes em termos de equilíbrio e de resistência cardiovascular, até que finalmente chegamos à base da reserva. Mas meus amigos, devo-vos dizer que nem a lama, nem as inclinações, nem os rios sem pontes que atravessamos nos fazem alguma vez voltar para trás. Antes pelo contrário, quanto mais andamos para a frente mais queremos continuar pois a paisagem é cada vez mais impressionante à medida que vamos entrando na reserva.

O sítio é realmente fantástico, parece mesmo tirado de um filme.

Uma vez chegados à base da reserva, temos dois casebres (cozinha e quartos) que podem albergar até um máximo de 18 pessoas, e ainda duas casas de banho e um duche feito de bambu. O meu quarto está assente sobre um chão de tábuas mal emparelhadas que denunciam um intervalo 30cm até ao solo, e vidros frágeis que permitem adormecer e acordar com uma vista deslumbrante.

Os ratos são companhia habitual, e as suas caminhadas em busca de alimento constituem a banda sonora que me adormece. Os sons de grilos (e outros animais), a chuva e o rio que aqui corre ao lado completam o resto da orquestra.

A cozinha é também pequena, ainda assim prepara diariamente 18 refeições para os voluntários, e para as duas famílias que trabalham a tempo inteiro aqui na reserva. Na cozinha tudo é guardado em caixas (sim, tudo!!) para evitar que os “ratones” nos comam os víveres (por aqui, o bicarbonato de sódio, caixas de cartão, caixas de fósforos, tudo serve de comida para estes seres. Incrível…)

A reserva fica a 3000m de altitude numa floresta nublada que faz parte de um dos 10 locais no mundo com maior biodiversidade (“hotspot” – classificação feita pela organização WWF - World Wildlife Fund). Rodeado por rios e cascatas, montanhas e vulcões que podem subir até aos 5000m, e animais simpáticos como pumas, ursos, tucanos, colibris, aranhas que não fazem a depilação, é assim que por agora me encontro acompanhado. Melhor que isto, só mesmo se a minha jeitosa estivesse aqui por perto!

Como será lógico de entender, a humidade é de 100% durante as 24h do dia. A roupa demora cerca de uma semana a secar (só quando o sol aparece em força, o que raramente acontece), a lama é uma constante, os rios ganham uma corrente impressionante quando caiem as chuvadas e a mosquitada não dá um minuto de descanso.

Bom, não consigo resistir e vou passar já às situações caricatas dos primeiros dias:

Dia 1

Viagem até à reserva. Vejam as fotos para perceberem o tipo de “estrada”. Depois de 40000 saltos nos bancos do autocarro (sensivelmente um a cada metro da viagem) cheguei à base da reserva; mas quando pensava que tudo já tinha passado mal podia adivinhar que ainda teria de caminhar 30min com as mochilas às costas debaixo de uma chuva intensamente revigorante, e em cima de um caminho "inclinadamente lamaçoso"!

Jantar à espera, com umas fantásticas “tortillas”, arroz, lentilhas e “plátanos” (bananas) fritos, e as famílias anfitriãs a mostrar o que este povo Equatoriano tem de melhor. Simpatia a rodos, e sorrisos aos magotes apesar das condições de vida difíceis no que toca à parte económica (pelo menos, é o que a nossa cultura ocidental nos leva a pensar!).

Depois da janta, um duche rápido em cima de uma pedra com 1m de altura, rodeada de bambu e com um chuveiro alimentado pela água do rio! Raras vezes uma banhoca me soube tão bem. Pior mesmo é depois de uma bela banhoca ter de untar o corpo com repelente de insectos! Untar literalmente, porque a bicharada aqui ainda não percebeu que os repelentes contra insectos também se aplicam a eles!

Dia 2

Sábado, dia livre em termos de trabalho na reserva. A manhã foi para fazer a primeira caminhada pelos supostos “caminhos” da reserva (caminhos abertos à catana) até uma cascata fantástica, passando pelo local onde o puma que atacava os rebanhos e manadas locais (antes de ser reserva, esta sítio foi zona de pastoreio) dormia.

Os mosquitos, a lama, a chuva…nem dou por isso! Engraçado que trouxe para aqui umas botas de montanhismo que me custaram cerca de 80 euros há alguns anos atrás (à prova de tudo e mais alguma coisa), mas o único calçado que uso por aqui são mesmo uns botins de borracha que me custaram 4 dólares!!

À tarde, fui para Otavalo para ajudar numa festa que tinha objectivo de angariar fundos para ajudar a reciclar o lixo das comunidades mais pequenas da região de Intag (ou seja, mais 2h de viagem da mais pura adrenalina). Evento organizado por “hipies” amantes da natureza, com o melhor coração e com as melhores intenções do mundo…mas com a cabeça demasiadamente ocupada com idealismos utópicos para prestar atenção a assuntos básicos relacionados com a organização de eventos.

Pondo a coisa por miúdos, estava tudo uma confusão do caneco quando eu e mais 5 dos 14 voluntários que estou aqui a coordenar chegámos. Basicamente pusemos tudo de pé, preparámos o que havia a preparar, tendo ainda posto a minha rabeca ao serviço da causa ecológica (atenção GS, aí está mais uma para a tipologia de serviços). Actuei para uma plateia de cerca de 100 Equatorianos e Quechuas que miravam com curiosidade a improvisação do momento!

Acabada a “festa”, ida até um bar local para beber uma bela Pilsener de 0,75litro. Conversa aqui, conversa ali e conheci o Pablo, virtuoso local da guitarra que conhecia todos os sucessos musicais equatorianos…ah, e ainda Scorpions e La Bamba. Espectáculo garantido para quem estava no bar; foi um “arrebimb’ó malho toma lá que já levas” do melhor. No final, os habituais aplausos e oferta de mais umas litrosas.

Gente boa, música “malhadora”, sorrisos, simpatia e curiosidade para conhecer a bandeira que envolvia a rabeca foram os ingredientes que contribuíram para uma noite memorável!

Dia 3

Domingo, alvorada às 7h para ir comprar bilhete para a viagem de regresso (apesar de aqui caber sempre mais um passageiro, o risco de ficar apeado era grande). Depois da missão cumprida, houve tempo para caminhar pela cidade e inteirar-me sobre como a vida corre nesta parte do mundo, e ainda para saborear uma banana assada. Cidade pacata, gente simpática (e baixa; sentia-me um alemão com 2,20m de altura a caminhar pelas ruas de Alfama) e um ritmo de vida próprio de um Domingo num qualquer país latino.

As 3h da tarde chegaram rapidamente, bem como os 40000 saltos até à reserva. Amigos, para quem de vós gasta uns cobres valentes na procura da mais pura adrenalina, venham cá e paguem os 1,65 dólares da viagem! Satisfação garantida, ou dinheiro devolvido!

Bom, já vos roubei tempo que chegue. Hoje fico por aqui, mas prometo que da próxima vez que for à civilização enviarei mais uma crónica para vosso gáudio e curiosidade!

Uma pequena nota final: tentem reflectir um pouco sobre a real importância do dinheiro na nossa felicidade! Já o havia feito, mas sem dúvida que este país e a sua gente me levaram a fazê-lo de uma forma nova, e quiçá, mais realista!


Outra ainda: até que ponto a falta de electricidade, a chuva, a lama, os mosquitos, a humidade, etc, etc, vos vai impedir de seguir uma experiência parecida com esta!

Um grande abraço para todos,

Até breve

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