V Carta do Emigrante







Newcastle, 6 de Maio de 2007


Olá amigos

Que tal essas vidas?

Esse optimismo está de volta? Depois do governo anunciar um ano de crescimento (raquítico!) económico do país, parece que começa a aproximar-se a altura em que as coisas podem, afinal de tudo, melhorar!

Esperemos que sim!

A carta do emigrante de hoje tem como objectivo discutir um assunto que condiciona, na minha opinião, a evolução pessoal, social, cultural e económica do nosso país.

Esse assunto tem a ver com a resistência que oferecemos à mudança.

Mais uma vez, pretendo com estes assunto demonstrar que uma das razões pela qual ainda não temos um país de excelência tem origem tanto nas chefias como em todos os outros níveis hierarquicamente abaixo.

Relativamente à resistência à mudança, é um facto incontornável de que o corpo humano está naturalmente desenhado no intuito de armazenar e economizar energia.

Um facto curioso que vem a propósito é que, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (WHO), existem actualmente no mundo mais pessoas a sofrerem com problemas de excesso de peso do que com falta de nutrição. Somos ou não uma verdadeira máquina optimizada para armazenar energia? A Natureza é realmente fantástica!

Mas voltando ao assunto da resistência à mudança, será fácil entender que se o nosso corpo está desenhado para guardar energia, uma das formas para o atingir este objectivo é naturalmente contrariando todos os esforços que impliquem alterações na homeostasia corporal (homeo = igual; stasis = ficar parado).

Em poucas palavras, faz parte do ser humano apresentar resistência a todas as situações que impliquem alterações ao seu equilíbrio.

E pelo que tenho visto, esta característica é especialmente característica do Tuga Commune (do Lat.).

Ou seja, cada vez que surgem soluções que exigem ser repensadas, situações que impliquem modificar a forma como o problema foi sempre resolvido, definições que devem ser questionadas, esforços económicos essenciais para restabelecer défices públicos...ai, ui, minha nossa, venha o Carmo e a Trindade, que isto vai já tudo corrido a greve!

Não quero de maneira nenhuma discutir o direito que todo o trabalhador tem de fazer greve, nem tão pouco as implicações sérias que as opções do governo tiveram nas famílias mais pobres ou nas empresas e organizações mais pequenas.

Apenas quero ressalvar que um dos valores dominantes na cultura latina é oferecer resistência a tudo o que possa implicar mudança, mesmo que essa mudança possa vir a trazer vantagens e benefícios!

Digam-me lá se não acham estas expressões familiares:

“Eh pá, isso é assim que se faz e mai’ nada! Vens agora tu com a mania de que sabes mais que eu?”

“Isto foi-me ensinado desta forma quando pra cá vim há 20 anos atrás, por isso é assim que faço!”

Computadores? Internet? Isso é só para os novos! (só por curiosidade, 73% da população da Holanda sabe navegar na Internet!)

Bolas, largar o subsídio de desemprego para ir fazer aquilo e ainda por cima ficar a ganhar quase o mesmo?!

Etc, etc, etc...

Não é que outros povos não sejam assim. Gente preguiçosa e sem ambição sempre houve e sempre haverá em todo o lado.

O problema é a quantidade dessa gente que existe na sociedade. É o caso em que quantos mais...pior!

Para além de falta da falta de ambição (e de motivação, reconheço!), temos ainda a conflitualidade própria de um povo de sangue quente! Ferve-se em pouca água, faz-se uma tempestade num copo de água! Como diria o Sr Scolari, “o português é um povo de 8 ou 80”.

Para um povo que recebe toda a estrangeirada de braços abertos, é no mínimo curioso que recebamos gente nova no local de trabalho de punhos fechados! Ou seja, somos bons para os outros e maus para nós próprios!

Acho que nos esquecemos muitas vezes de que a nossa competição é com a Espanha, França, Inglaterra, Irlanda, Índia, China e por aí fora! Parece que ainda não percebemos que as “guerrinhas” internas não levam a lado nenhum, mas antes, roubam o tempo, esforço e a paciência necessária para enfrentar a concorrência estrangeira!

Obviamente que conflitos internos sempre houveram, assim como vão continuar a haver! Mas quando estamos na eminência de ser “invadidos” pela estrangeirada de olhos em bico, há que esquecer as lutas com o vizinho e juntar esforços para dar uma biqueirada no cu a quem vier! “Até os comemos!”

Sei que os mais cépticos estão a ler este texto e a pensar que estas palavras não são mais do que quimeras, e que há outros problemas mais graves que são a verdadeira causa de estarmos “quinados”!

Discuto este argumento, pela simples razão de que antes de nos preocuparmos com a nossa imagem exterior (associe-se a isto a procura de investimento estrangeiro, ganhar o campeonato do mundo de futebol, encontrar o D. Sebastião...) é essencial ultrapassar problemas internos que, a longo prazo, podem vir a questionar todos os investimentos feitos no presente!

Ok, depois de tanta filosofia, o que quero mesmo dizer é da próxima vez que entrarmos numa discussão, valerá a pena questionarmos se essa discussão vai levar a algum lado!

Ou seja, se for uma discussão do tipo “tasca” em que cada participante manda umas bocas, mas que no final não se chega a conclusão alguma (pior, acabam todos a discutir irracionalmente!), então nesse caso penso que vale mais a pena mantermo-nos fiéis ao princípio de economizar energia e nem sequer nos cansarmos com isso.

Mas se for uma discussão em que se chega a uma conclusão relativamente positiva (mesmo que não tenha tido em conta a nossa ideia), então aí valerá a pena passar à fase seguinte de pô-la em prática de forma eficaz. Temos de perceber de uma vez por todas que é impossível reunir todas as opiniões num plano! Opções têm de ser tomadas e não há espaço para todas as ideias. Nem todos nos podemos vangloriar de que “aquilo foi feito assim, porque fui eu que dei a ideia da fazer assim”!

Afinal de contas, os planos mais eficazes são aqueles que são baseados em ideias simples! Mais, a parte mais importante do plano é a forma como é posto em prática! Acho que o país está a passar por uma crise de auto-realização individual!

De acordo com o psicólogo americano Abraham Maslow, o ser humano tem 5 necessidades básicas, sendo a última delas a necessidade de auto-realização (as outras são, das mais para as menos importantes, as necessidades fisiológicas, necessidades de segurança, necessidades sociais e necessidades de auto-estima).

Quer-me parecer que após o 25 de Abril as necessidades de segurança, as sociais e as de auto-estima ficaram de certa forma resolvidas. A explosão nacional de alegria que aconteceu terá contribuído para isso! No entanto...as de auto-realização não!

Provavelmente porque depois de muitos anos debaixo de um regime autoritário, muitos sentiram a necessidade de fazer algo pelo seu país (e que até à data tinham sido impedidos), tendo um papel activo e visível pela sociedade no que respeita a decisões sobre os rumos da sua comunidade local e do seu país. Basicamente, considero que foi a necessidade de exteriorizar pensamentos recalcados durante muitos anos, dirigidos a uma sociedade com novos direitos e ambições. Até aqui tudo muito louvável!

O problema aqui surge, no entanto, quando o sangue quente latino vem primeiro que a razão! E nessa situação, por muito boa vontade que haja, será sempre muito difícil chegar a uma conclusão geral, aceite por todos.

Para finalizar, é importante paro o nosso futuro enquanto cidadãos aprender a aceitar as opiniões dos outros, aprender a aceitar que a mudança é boa para o desenvolvimento e que a nossa opinião, por muito boa que seja, não vale de nada se não for aceite pelos outros. E só poderá ser aceite por outros se nós também aceitarmos as deles!!

Um abraço a todos.

Como sempre espero as habituais críticas e comentários. A vossa opinião é importante para mim!



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