1ª Carta do Retornado












































Olá amigos,


Há já 2 anos que não vos encontrava por estas bandas! Engraçado que somando a estes 2 anos os 3 que estive fora, contam-se 5 anos desde a primeira carta do emigrante!!

Desta vez, e passado este tempo, achei por bem passar a chamar a esta reflexão Crónica do Retornado, em substituição da anterior e já saudosa Crónica do Emigrante. Mas como em muitas coisas nesta vida, muda o nome embora a essência se mantenha.

Durante estes 2 últimos anos, a adaptação a uma vida “sedentária” não tem sido fácil. Deixar para trás viagens, histórias, amizades, sítios e emoções em prol de uma vida típica de qualquer país desenvolvido (i.e. trabalhar e viver loucamente em busca de não se sabe bem do quê ou porquê…), não é de todo uma decisão fácil, ou mesmo lógica.

Aliás, a lógica aqui resume-se basicamente à Cristina e à necessidade de ganhar sustento para quiçá, partir novamente um dia. Mantendo-se o sonho, tudo ganha mais sentido.

Permitam-me aqui fazer uma pequena reflexão acerca deste último ponto, o de ganhar sustento para o dia-a-dia.

Curioso que enquanto estive no Equador, a necessidade de dinheiro era ridiculamente baixa; basicamente, passava perfeitamente com pouco dinheiro na algibeira ou na conta, e não sentia a mínima necessidade de comprar o que quer que fosse.

Em contraste, nos países ricos onde estudei ou trabalhei (França, Inglaterra, EUA), senti sempre necessidade de comprar ou ter algo, por mais pequeno que fosse; e no entanto, as recordações mais duradouras, as emoções mais fortes vêm sem dúvida das selvas e aldeias Equatorianas.

Como as coisas mudam…será de mim, será dos tempos que se vivem, será do país onde vivo?

Hoje em Portugal, não passo com menos de 30 euros por dia, entre despesas com carro, refeições, comunicações, roupas minimamente adequadas, propinas e impostos, ou outras tretas afins…

Considerando disto, digam-me sinceramente se não é lógico questionar o sentido das nossas vidinhas ridículas de “gente rica”, em busca de um carro grande, um apartamento ou casa ainda maior, roupa cujo preço nos envergonha perante povos que vivem com muito menos que nós…mas afinal de contas, do que é que andamos todos à procura?

Deve ser algo mesmo importante ou valioso, a julgar pela velocidade com que o procuramos…

Ou não.

A minha geração (geração de 80), corre pela vida de forma louca e vertiginosa; mas sinceramente, duvido que saiba para onde corre, porque razão corre ou quem pisa quando corre.

Fomos educados e treinados para sermos trabalhadores eficazes, para encontrarmos de forma eficiente um emprego bem remunerado (digam-me se não é o sonho de qualquer pai ver o filho ou filha com formação avançada, com um bom emprego, um bom carro, casa, telemóvel, etc.), para conquistarmos o…sonho europeu!

Mas no meio disto tudo, alguém se preocupou em nos ensinar a ser felizes?!

Alguém se lembrou que o dinheiro e o sucesso não compram tudo…que podem não ser mais que uma ilusão de oásis no meio de um deserto com muitos camelos?!

Alguém pensou que a Escola não se resume apenas a livros, e que a melhor aprendizagem vem da rua, da vida, do mundo?

Penso que não, porque também são poucos os que acreditam que a essência da vida se centra nas experiências não tangíveis, no ser e fazer ao invés do ter e parecer…

Tenho uma forte convicção que é esta necessidade de ter e parecer que nos faz andar a correr loucamente atrás do que não pode ser apanhado; pondo a questão de forma metafórica, quase parece que andamos a correr atrás da nossa sombra, a ver se descobrimos o que (não) está por detrás.

Esta ambição sem sentido é causa de muitos dos males do mundo; no fim de contas, tudo se resume a ter mais do que necessitamos e ao inevitável desperdício de recursos, sobre os quais deveríamos ter a maior das preocupações.

Dos combustíveis fósseis aos recursos naturais, passando ainda pelos recursos humanos de países em desenvolvimento e dos quais nos aproveitamos de forma cobarde e despreocupada (conhecem a expressão “anda meio mundo a foder outro meio mundo”?), é absurdo o impacto que causamos no ambiente físico e humano que nos rodeia no intuito de satisfazer as nossas vontades mais primitivas e irracionais.

Somos cada vez mais seres reles, egoístas, sem preocupação pelo impacto que as nossas acções têm sobre terceiros, estejam eles mesmo ao nosso lado, ou a 10.000km de distância.

Exactamente por isso, não compreendo a razão para se consumir mais do que necessitamos verdadeiramente, ou de uma forma geral, a razão para tanto desperdício de energia? Mais que tudo, é no equilíbrio que se encontra a virtude.

Bem vistas as coisas, é simples ver que os sucessos das nossas vidas são muito fruto do acaso; o mérito pessoal, a vontade de vencer…

Baahhhh! Tretas é do que se trata...tivéssemos nascido em qualquer outro país com menos recursos, a ver o que teria sido de nós. No fim de contas, somos todos iguais uns aos outros.

É sobretudo o acaso de nascer no sítio certa à hora certa, de ter a pessoa certa na hora certa que nos permite fazer algo mais (ou menos…). É certo que nossa a persistência, capacidade de luta e de vencer é que potenciam as oportunidades que surgem, mas o meu argumento é essencialmente sobre a sorte de ter acesso às melhores oportunidades, às melhores companhias, ao melhor dos ambientes.

Bom, hoje não tenho tempo para mais, mas antes de terminar deixo-vos com um pensamento:

- A ingenuidade é das raras coisas da vida que uma vez perdida, nunca mais pode ser recuperada…


Até breve,



Nuno Santos

3 comentários:

Anónimo disse...

Concordo completamente, é por isso que continuo apenas a ter 2 pares de calças e muito poucas coisas, e até prefiro ler os livros da biblioteca do que comprar, já não tenho prazer em compra-los.
Só que não podes impingir este estilo de vida aos outros. Se as pessoas têm dinheiro e há coisas nas montra eles compram.
Não sei qual é a solução para o problema, o que sei é que estamos a dar cabo do planeta, e nem é o aquecimento que me preocupa, são outras coisa mais reias.
Abraço de Newcastle!
Luís Alves

Aerolando disse...

Excelente reflexão Nuno.Acabei de te conhecer, no meio musical e afinal venho descobrir neste blogue uma pessoa que partilha alguns pensamentos e questões filosóficas.A sociedade em que vivemos peocupa-se demasiadamente com o TER e pouco com o SER.Isto é, vive-se para a aparência e de aparências, até porque não somos assim tão ricos, falando apenas do nosso país. Tendo nós esta mentalidade e ainda por cima músicos, somos quase sempre marginalizados na sociedade em que estamos inseridos.Para além do tal sustento a que te referes, normal,que nos mantém de pé, importa viver de uma forma livre, apreciando a beleza, a arte, outras culturas, viajar.Muitos não compreendem esta forma de estar, mas também não acredito que sejam felizes, ou têm uma concepção de felicidade muito aldrabada...Um abraço e vai dando notícias. Orlando

Rui Pedro disse...

Depois de assistir ao teu concerto no IST no churrasco das Seccções Autónomas, fiquei com curiosidade em ver mais músicas todas por ti. Não é que me deparo com este blog, em que o primeiro artigo que leio, é um com que me identifico bastante.
Tento muito bem viver uma vida menos luxuosa e com mais vida, mas tal como disseste, estando dentro do circulo de uma cidade é difícil não se gastar dinheiro em coisas desnecessárias (e não falo propriamente em comprar roupas ou certos artigos, porque nisso já não entro) mas na comida, que a qualquer lado que se vá, um bolo é mais barato que algo saudável, como uma sandes.
Nada como tratar de tudo em casa e a qualquer lado que se vá, vá-se prevenido. Bem diz o ditado: "Um Homem prevenido vale por dois"