Depois da Crónica do Emigrante e da Crónica do Retornado, eis a Crónica do Viajante Parte II

Meus amigos,


Antes de mais, uma palavra de agradecimento para todos os que enviam informação de retorno (vulgo feedback) à carta do emigrante, pois as vossas opiniões (sejam elas positivas, negativas ou insultuosas hehehe, são bem vindas!).

Então conforme prometido, estou de volta hoje para continuar a narração da viagem pelo nordeste brasileiro.

Se bem se recordam, saí ontem de Fortaleza supostamente em direcção a Salvador da Bahia, mas porque umas pessoas amigas de um conhecido meu seguiam viagem para sul, acabei por pegar a "carona" e seguir viagem com eles.

A viagem de 7h foi feita em amena cavaqueira (paisagens incríveis pelo caminho!), onde se falou de tudo e mais alguma coisa. Deu para perceber que a malta de cá ainda vê os portugueses como os colonialistas que andaram por aí a cortar mato e a dar porrada em escravos, mas nem por isso notei quaisquer sinais de rancor ou antipatia por parte dos Cearenses.

Para comprovar este argumento junta-se o facto de não terem aceitado dinheiro pela viagem, e ainda por cima me pagaram um belo lanche de café e pão com queijo pelo caminho!

Palavras para quê?

Por conveniência de transportes, acabei por ficar numa terra chamada Acopiara para seguir depois de ônibus para o Crato (terra da Chapada do Araripe).

Deixaram-me à porta de uma pensão bem típica e barata (10 reais/noite) que por azar estava lotada; mas logo tudo se resolveu (aqui tudo tem solução!), já que fiquei a dormir numa cama de rede na arrecadação das bebidas.

Depois de largar as malas no "quarto", juntei-me ao grupo de pessoas que estavam na esplanada a "tomar cerveja geladjinha"; ficaram curiosos por ver um estrangeiro (pelo que percebi não passam aqui muitos) e como é óbvio, acabei a tocar violino para os presentes. De Roberto Leal às músicas de Carnaval que estamos fartos de ouvir aí no Boro, valeu tudo!!

No final convidaram-me para ir a uma festa de forró à Brisa da Noite, e que bela festa que foi. Cerveja a rodos, música sem parar (sempre o mesmo cd no "repeat"!!) e bota boa disposição no ar!

A cerveja aqui (à semelhança do que vi no Equador) é de 600ml e ninguém compra uma cerveja para si; antes, compra-se cerveja à rodada e trazem-se copos para dividir e partilhar por todos. Em contraste, temos em Portugal a cultura da mini em que cada um vale por si, ou seja, uma cerveja para cada um. Curioso o sentido de partilha entre os dois países, hem...

A festa foi valente; a vila é conservadora (cultura do vaqueiro bem presente), e foi giro ver a interação social. Havia de tudo: rapazes atrás das raparigas, solteirões encostados aos cantos, casais feitos a dançar "p'a caramba" e dois velhotes com idade para serem avôs a rodar as moças todas da festa; que energia impressionante!! Qual terceira idade, qual quê?!

No final (cerca das 2h) voltei para o quarto, onde me esperava a cama de rede na arrecadação das bebidas. Escusado será dizer que dormi pouco ou nada; do barulho da televisão aos camiões que passavam, e ainda a malta do bar que ficou acordada nos copos a noite toda, não houve mesmo silêncio para descansar.

Um personagem curiosa que conheci aqui foi "o Chileno". Quando cheguei, disseram-me que como não havia quartos disponíveis, teria de partilhar quarto com "o Chileno". Devo admitir que no momento, e com a entoação que deram à conversa, fiquei um pouco preocupado, ainda mais quando cheguei ao tal quarto do indivíduo e fui imediatamente recebi com um simpático "hola, yo fumo y ronco mucho!!"

Claro que final acabei por conversar mais calmamente com o indivíduo que tinha por sinal uma cultura fantástica (pediu-me para tocar clássicos de Mussorgsky a Prokofiev, de Vivaldi às Czardas de Monti e rock de Deep Purple a Metallica!!) e uma simpatia contagiante. Raramente as 1as impressões batem certo...

Contou-me que tinha passado quase 20 anos Brasil até decidir (no ano passado) voltar à terra natal; por azar, quando chegou ao sítio levou com um tal sismo de nível 8 na escala de Richter (lembram-se das notícias?) e perdeu o pouco que tinha! Voltar ao Brasil tornou-se portanto inevitável...

Pensemos agora por momentos na vida que levamos aí em Portugal. Não será um pouco egoísta dizermos que temos vida difícil por causa de uma crise económica e financeira de merda, quando ouvimos a história do Chileno (ou de outras similares aí por esse mundo fora...)?

Continuando, acabei também por saber que na igreja de Maranhão (cidade que fica mais para o interior), a comunhão na missa é feita com um derivado de uma planta que vem da Amazónia e que tem efeitos alucinogénicos. Curioso, hem??

O dia de hoje foi tranquilo. Acordei de manhã (se bem que nem cheguei a dormir no verdadeiro sentido da palavra!), dei uma volta pelo sítio, e como o achei bastante tranquilo, aproveitei para tirar as primeiras fotos da viagem. Há realmente coisas interessantes; nada como as cidades do interior, longe dos destinos turísticos, para se andar descansado na rua! E isto é assim em qualquer parte do mundo mesmo...

Bom meus caros, por hoje fico por aqui. Sigo viagem de ônibus dentro de 1h em direcção ao Crato; quando lá chegar, e caso tenha acesso à internet, continuo a mandar notícias.

Até lá, tudo de bom para vocês.


Aquele abraço

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